Semana passada, uma amiga que não mora aqui em Sampa veio passar uns dias comigo. Saímos para caminhar porque o frio estava cortando a alma.
No meio da caminhada, surgiu o assunto da qualidade da roupa aqui no Brasil. Falávamos do MKT de luxo no setor da moda, das marcas que vendem gato por lebre e se valem das labels para supervalorizar um item que tranquilamente poderia ser comercializado por 100, mas é levado à vitrine por 1000.
“O problema é que a gente aceita aqui no Brasil que o produto ‘de qualidade’ seja exceção. Lá fora, o NORMAL é a roupa ter qualidade e NÃO CUSTA MAIS por isso. Agora, olha aqui como a coisa funciona!”
E eu pensei mesmo em como a coisa funciona.
Tem grife de roupa que chega a JUSTIFICAR o preço mega inflacionado porque TEM QUALIDADE. Céus! Penso que só de levantar a porta de qualquer estabelecimento, qualidade não deveria, sequer, ser diferencial. Deveria ser OBRIGAÇÃO. Do contrário, faço outra coisa. Isso é o que penso.
É tudo tão massificado na nossa cabeça que, poucas vezes, a gente para e reflete. A gente se ilude com o pé direito do Shopping chique, a gente vê o Lagerfeld lá em Paris e tenta transpor pro nosso Brasil a mesma realidade de vida. Não dá mais, Gente. Ou: não dá, ainda.
Mas esse chacoalho de consciência só estala com força quando a gente dá de cara com mais uma matéria sobre trabalho escravo e infantil numa grife de luxo, cujo ticket médio da peça custa 500 reais. Sim, 500 reais. Essa notícia que caiu feito bomba (mais uma, aliás) vem exatamente no mês de junho, que marca a campanha pelo fim do trabalho infantil (dia 12). Peças e mais peças foram flagradas pela Fiscalização do Ministério do Trabalho, etiquetas espalhadas pelo mesmo cômodo em que famílias com crianças dormiam e trabalhavam.
Tenho me perguntado até quando essa pantomima de MKT de luxo para roupa se sustenta no nosso país. Aqui não é Dubai e nem é Paris. Aqui, uma peça que lá fora se enquadra perfeitamente no orçamento de uma classe média à média alta, custa, pelo menos 4 vezes mais.
Aqui tem uma pequena, pequena mesmo, parcela de cidadãos que nem sentiram o cheiro de crise financeira e uma maioria que trabalha e trabalha duro para colocar pão na mesa e garantir a escola das crianças.
Podemos voltamos à eterna discussão: mas, quem é o target da grife de luxo?
O Luxo não se sustenta na massificação de vendas, o luxo se sustenta no DESEJO reprimido, em ESPALHAR uma informação ao máximo de pessoas possível, mas, vender à sua PEQUENA parcela de clientes. Se o luxo populariza, ou seja: se chega ao alcance de TODO MUNDO, perde o caráter exclusivo e os clientes migram para outro ‘fornecedor’.
Esse circuito é assim desde que o mundo é mundo e se existe em países que o comportem, tá tudo ok, mas não dá pra perder a realidade… A nossa.
A gente só tem a esperança que essa palhaçada disfarçada de “grife para elite” seja um pouco mais digna de cabo a rabo: não só no slogan da marca, não só na riqueza da vitrine, mas no tratamento DIGNO a quem faz acontecer. E, de preferência, levem a qualidade como DNA e não como diferencial. A gente trabalha demais para sustentar tudo isso.