Se você está rolando as telas das redes com a impressão de quem tem mais tendência anunciada do que dias para 2024, você não está louca(o), em tese. Tem muita gente falando de muita coisa. Muita coisa diferente. E isso tem por quê.
Mas, afinal, tudo virou tendência?
Mais ou menos. Anos atrás, fiz um vídeo sobre macro e microtendências, quem viu? Aqui
No vídeo, falamos sobre o tempo estimado de duração de uma macrotendência: cerca de 10 anos, enquanto as micro podem variar muito (de meses a anos).
Tudo depende do quê? Da nossa adesão à tendência.
Por aí, a gente entende o que está acontecendo no caldeirão fashion global: marcas que antes iam no esquema top-down (do topo para baixo, entuchando goela abaixo o que queriam que a gente usasse), já entraram em outro modelo de coleção: as ruas, o chamado street style.
O que antes era empurrado, agora precisa ser aceito antes.
As pessoas estão ditando a moda e a partir dessas análises comportamentais, as marcas criam. Isso diminui margem de erro, de prejuízo e de ruído de comunicação com os diferentes grupos de públicos.
Mas, antes não era assim?
Não exatamente. Empresas de cool hunting (caçadores de tendência – empresas que fazem os chamados predicts, estudos e relatórios de tendências) sempre existiram e são essenciais.
Acontece que a tecnologia uniu muito mais as pontas, os públicos e os gostos. Agora, se um produto, uma cor, um item vira febre nos EUA ou na Europa, é questão de segundos para a galera daqui saber. Isso mexe com gostos individuais, coletivos e empresariais (as marcas).
As empresas de tendência seguem com seus trabalhos, mas, de olho muito mais afiado com o que rola nas ruas, nas tribos e no olho que tudo vê: a internet.
Nosso comportamento nunca ditou tanto o que as marcas trarão. Afinal, quem consome está mais ligeiro e já não compra qualquer coisa por desaviso.
Falando sobre tudo ser tendência
Nas aulas do Ponto de Performance, explico às empreendedoras que cada negócio (principalmente, negócio de moda), tem sua assinatura, seu conceito. Mesmo que seja uma multimarca, ela conhece o perfil de cliente ideal, ela entende o que essa cliente gosta, admira e usa.
Se uma cor vira febre nas mãos de quem influencia a moda (pelo viés do público, ou seja: fashionistas, influenciadoras, celebridades, desportistas etc), as marcas olham aquela cor e criam a chamada releitura: a adaptação da cor ao público que tem. Isso é reflexo da Comunicação melhor trabalhada, do MKT e do Branding.
Vamos a um exemplo prático:
Se eu tenho uma marca de roupa com conceito mais sustentável, paleta de cores mais terrosas e neutras e a cor que está em tudo que é lugar é um amarelo gema, como trago esse amarelo para o olhar e o gosto da minha cliente?
Crio a versão mais aguada dele, crio a versão amanteigada desse amarelo.
Minha marca é a única a trabalhar com esse perfil de cliente ideal? Claro que não. Muitas marcas são. Logo, amarelo manteiga também começa a figurar como uma das cores em alta: porque ele está no range cromático dos amarelos, porque ele deriva da inspiração da cor mais saturada mas ele é adaptado ao que meu público abençoa e deseja.
Se você multiplica essa dinâmica, fica muito mais fácil entender porque parece que tudo está em alta. Na verdade, não está (tecnicamente). O que a gente vê são as variações das estéticas, das cores e das formas em múltiplos olhares.
Sobre estética
Tenho visto muita crítica para essa insistência ao retorno dos anos 2000 (já vem por anos). Parece que a turma criativa ficou num túnel sem saída, só revisitando passados. Mas, aqui, há um parêntese a ser feito: um passado seguro, diga-se de passagem.
Tudo isso, como macrotendência, tem explicação simples: nossos últimos anos não foram fáceis, em todos os níveis. Logo, nosso emocional foge, escapa, para ter um pouco de alívio e alegria ao invés de encarar 24h a dor do que temos visto e vivido.
Sendo assim, a busca volta-se para anos interessantes, frescos e os anos 2000 foram essa representação.
Além disso, gerações mais novas que assimilam mais facilmente novidades e apresentam menos resistência ao novo, tornam-se mira óbvia para entendermos tendências (macro e, a partir das macro, as microtendências também) e, com isso, todos os pontos altos dos anos 2000 retornam com um ar nostálgico, mas, com up em tecnologia e toques contemporâneos para não perdermos o gancho com o agora.
Quando analisamos a moda do ponto de vista correto, fica muito mais simples compreender o vai e vem de tendências.
Mais um exemplo: lá fora, vivemos nos últimos 2 anos, duas grandes estéticas (zero por acaso): a old money e a quiet luxury. Na prática fashion:
- Old money trouxe gola polo, saia plissada, rabo de cavalo, mocassin e oxford.
- Quiet Luxury trouxe a paleta de uma praia rhyca das Maldivas, em que tudo parece orgânico, natural e simples, mas o simples mais caro do mundo, assinado pelo arquiteto mais caro do caro: terrosos como offwhite, marrom, beges, cinza avessos à logomania das marcas berrando em looks tipo pijamão. Na estética quiet luxury, o reconhecimento do luxo é silencioso: só sabe quem tem também. Logos aparentes passam longe, muito longe…
Chegando em 2023/2024, vemos resquícios de ambas nas ruas: laços de veludo em cabelos de todas as idades, muitos penteados boi-lambeu (aquele rabo de cavalo baixo, entupido de pasta de modelar, repartido no meio), cara ‘limpa’ com no make up cheio de make up, peças com ar mais vintage e tecidos ultra modernos mesclados às peças contemporâneas. Menos saltos, mais conforto em solados flat.
Acessórios viram ponto de destaque, novamente e não mais baratos do que roupas, se tiverem assinatura forte.
O que vemos para 2024?
Vemos muitos conteúdos mencionando apostas como vermelho, verde, azul (aquele que já foi chamado de royal, depois de bic e agora klein), marrom e branco/ off white. Ah, e o amarelo gema, claro.
Vemos muitos conteúdos mencionando acessórios variando do mini ao maxi (brincos, colares, bolsas e acessórios para cabelo como tiaras, presilhas e laços).
Vemos muitos conteúdos mencionando menos salto e mais solado flat.
Vemos muitos conteúdos mencionando a sequência de brilhos e metalizados, franjas e comprimento midi além da insistência da cintura alta com menos cropped (continuo anti-demonização do umbigo).
No meio do caminho tinha uma… conta bancária
Com esse fervo todo rolando, a gente se depara com a realidade da maioria dos grupos sociais, no mundo todo: grana, plata, dindim, bufunfa. Não tá sobrando, não tá mole.
E isso significa que se todos os grupos têm mais voz, os da base da pirâmide social, que sempre foram maioria, estão falando mais alto ainda. E aí, a estética que essa turma abençoa vem em forma de transgressão:
“Você não curte cintura baixa porque acha vulgar? A gente não só dança funk e faz o funk ecoar no mundo todo como ama calça de cintura baixa”
“Roupa rasgada gera poluição visual e não pode ser usada por gente direita? Pois tá aqui minha calça rasgada”
Quem acompanhou o duplo-carpado que a La Coste (a marca do Jacaré) deu ao anunciar a estratégia de vendas mais recente? A marca é uma das etiquetas mais mencionadas em letras de funk, rap e trap. Ou se rendia ou morria na praia porque os públicos anteriores da marca não eram esses… Sim, tem o fator do ‘se não pode vencê-los, junte-se a eles’ quanto ao excesso de falsificações que rolavam. Foi bem mais fácil abraçar quem põe dinheiro no caixa. Fato.
Se apertou para o bolso de quem compra, pode ter certeza que, com raríssimas exceções também apertou para o bolso de quem produz. As marcas estão arriscando menos (o que é uma pena se pensarmos em criatividade) e apresentando mais o esquema ‘É isso que o povo quer? Toma’. Passarelas menos conceituais, mais comerciais. Mas os preços…
O que quero abrir para conversa é que tudo acontece ao mesmo tempo, Gente, e isso parece não ter retrocesso. A moda está mais livre e, em certo nível, mais democrática. Não diria mais fácil porque competir com gigante chinesa não tá mole… Mas isso é papo para outra matéria.